ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 10/04/2014
Neste acórdão (relatado pelo Juiz Conselheiro Dr. Maia Costa), está, sobretudo, em causa a aplicação de o regime de atenuação especial da pena, tratando-se de jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos. Assim, estatui-se no artigo 4.º, Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro: "Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 72.º e 73.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado".
No recurso que interpõe para o STJ do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, o arguido alega que - sobretudo, em razão da idade (tinha 18 anos à data da prática dos factos) e da sua qualidade de réu primário (nunca antes tinha delinquido, sendo considerado por professores e colegas um jovem educado e, socialmente, enquadrado) - deveria ter beneficiado do sobredito regime especial de atenuação da pena. Para tanto, serve-se ainda da perícia médico-legal, que descreve a conduta criminosa como um acto de pânico próprio da juventude, relatório este que é, todavia, desmentido pela perícia sobre a personalidade do agente, que informa o ponto 53 dos "factos provados", a saber: "O arguido apresenta fragilidades ao nível interno, afectivo, revelando dificuldade em estabelecer relações de proximidade/intimidade, de sintonizar emocionalmente com o Outro (tem lacunas ao nível da capacidade de se colocar no lugar do Outro), parecendo evidenciar tendência para o controlo, principalmente sobre os relacionamentos de cariz íntimo. Procura controlar os sentimentos/atitudes mais agressivas, evidenciando dificuldade em aceder à frustração e à zanga/raiva, procurando, assim, manter para si e para os outros uma imagem ajustada".
A respeito desta mesma questão de direito, o Procurador-Geral Adjunto no STJ afirma que, existindo, por certo, aspectos positivos nas condições pessoais do arguido - nomeadamente, a ausência de antecedentes criminais e outros problemas comportamentais anteriores -, a particular gravidade dos ilícitos praticados, mas, sobretudo, certas facetas de personalidade, particularmente, críticas no que respeita à sua capacidade de reinserção social sustentam, inteiramente, o juízo de prognose desfavorável emitido pelo tribunal de 1.ª instância e confirmado em sede de recurso. Neste sentido, aponta-se "para uma personalidade de contornos problemáticos e decisivamente avessa aos valores da ordem jurídica".
Vejamos, entretanto, a matéria de facto dada como provada: Após ter sido convencido pela sua namorada que "tinha sido assaltada por indivíduos de raça negra, que a teriam também tentado violar", tendo esses indivíduos agido atendendo a "uma hipotética 'encomenda' do CC" (matéria de facto, ponto n.º 4), o arguido AA "engendrou um plano para obter satisfações e 'fazer a folha'" ao possível mandante (matéria de facto, ponto n.º 5). Na execução desse plano, "AA telefonou ao CC do telemóvel do BB", tendo combinado com a vítima encontrarem-se todos nuns armazéns abandonados (matéria de facto, pontos ns.º 8 e 9). Aí e "em conjugação de esforços" com BB, atraíram CC à cobertura dos sobreditos armazéns, tendo AA subido "em primeiro lugar, seguido pelo CC", enquanto "BB aguardou no solo" (matéria de facto, pontos ns.º 10 a 13). Nessa altura, "AA desferiu um pontapé na cabeça do CC", que desceu de imediato, e já no solo a vítima foi agredida por BB, desferindo-lhe este "vários socos que atingiram a vítima na face e lhe provocaram a queda" (matéria de facto, pontos ns.º 14 e 15). Tendo-se aproximado e colocado em cima do CC, "apertando-lhe o pescoço", AA quis que o ofendido confessasse o plano urdido contra a namorada, negando-se CC a confirmá-lo (matéria de facto, pontos ns.º 17 e 18). Após ter conseguido libertar-se, CC voltou a "cair junto a umas paletes", altura em que AA "começou a bater-lhe com um pau em diversas partes do corpo, designadamente na cara e cabeça" (matéria de facto, pontos ns.º 21 e 22). Já muito debilitado, mas tendo ainda conseguido sair do armazém fugindo, CC foi alcançado por AA, que o encostou a uma parede, desferindo-lhe "com a navalha que trazia diversos golpes no corpo (...), pelo menos, treze vezes, na zona abdominal, no tórax, no pescoço e na cabeça", deixando, assim, a vítima prostrada no chão (matéria de facto, ponto n.º 24). "Estando, então, o CC semi-inconsciente, (...) BB, seguindo instruções do arguido AA, arrastou-o pelas pernas para um local que distava dali cerca de 50 metros", enquanto o comparsa se deslocava "ao interior de um dos armazéns donde trouxe um recipiente plástico com um produto inflamável (aguarrás), que sabia ali existir, encharcou as calças e o calçado da vítima, e ateou fogo às pernas do CC" (matéria de facto, pontos ns.º 26 e 27). Finalmente e "continuando a ser visíveis sinais de vida no CC, (...) o arguido AA atingiu-o com mais pedras, tijolos e pedaços de parede e jogou-lhe com um bloco de cimento de grandes dimensões em cima da cabeça, após o que, e quando as pernas de CC já ardiam francamente", ele e o companheiro BB abandonaram o local (matéria de facto, ponto n.º 28). "Como consequência directa e necessária da actuação supra descrita, (...) o CC sofreu as seguintes lesões (...)", que lhe "provocaram de modo directo e necessário a morte" (matéria de facto, pontos ns.º 30 a 37). Seguidamente, ambos os comparsas dirigiram-se para casa de AA "para assistir a um jogo de futebol que estava a ser transmitido na televisão, tendo-se o BB retirado para casa ao fim de algum tempo e o arguido assistido ao jogo" (matéria de facto, ponto n.º 39).
Perante esta factualidade e a circunstância, também, provada de ter sido bom o comportamento anterior do arguido, tanto na escola como em família ("AA foi uma criança/adolescente sereno/tranquilo, responsável e respeitador dos limites impostos pelas figuras de referência, não tendo sido assinaladas quaisquer anomalias no seu percurso de socialização", cfr. matéria de facto, ponto n.º 47), o tribunal "ad quem" afirma: "Os factos dos autos apresentam-se, pois, como uma conduta excecional, surpreendente mesmo, face ao comportamento anterior do arguido". Entretanto, conclui daí que, não tendo a conduta criminosa sido determinada nem influenciada "por problemas de inserção social ou de formação da personalidade", não se verifica "in casu" o requisito material de a atenuação especial da pena: constituir essa atenuação um incentivo à "reinserção social" ou "reeducação" do jovem delinquente. Razão pela qual o STJ mantém a pena aplicada pelas instâncias inferiores de 19 anos de prisão.
Esta decisão judiciária revela-se-nos paradigmática de uma compreensão repressiva ou intimidatória da pena de prisão, que ganha cada vez mais adeptos. Dificilmente se poderá questionar a barbaridade manifesta que a presente conduta criminosa evidencia e se materializa num grau elevado de ilicitude e culpa expresso no facto punível. Neste sentido, serão significativas as exigências de prevenção geral e censura pessoal que o concreto caso "sub judice" reclama e comporta. Todavia, o regime penal especial para jovens assenta, única e exclusivamente, em finalidades particulares de integração social: isto é, existirem "razões sérias" que imponham a atenuação, em ordem a assegurar uma mais fácil "reinserção social" do condenado. Destarte, afastando a atenuação, o STJ confirma, implicitamente, a antissociabilidade renitente do arguido, tanto mais que não nega "os efeitos 'dessocializadores' que o cumprimento de uma pena de prisão normalmente envolve". Estranhamente, porém, fundamenta a sua decisão na ausência de especiais necessidades de "reinserção social" ou "reeducação" do delinquente em causa! Dito de outro modo: face à particular brutalidade do ocorrido, emerge, sobretudo, o sentimento de indignação social, que se reflete na aplicação de um "castigo" exemplar, a expensas de outras medidas não institucionais de natureza pedagógica e psicossociológica. Aliás, a anormalidade do sucedido - que o próprio tribunal "ad quem" sublinha e reconhece - parece sugerir estarmos perante uma reacção intempestiva e descontrolada, acicatada pelas "acusações" feitas pela namorada e reveladora de uma personalidade imatura e "explosiva". Tudo a exigir uma resposta especializada, não apenas consentânea com a idade do arguido à data dos factos, mas "potencializadora" de aspectos positivos comportamentais documentados na prova produzida, resposta essa que uma longa permanência na prisão poderá prejudicar, em definitivo. Em suma e contrariamente à posição judiciária que faz vencimento, a pena abstracta de "homicídio qualificado" (art. 132.º, n.º 1, CP) deveria ter sido, especialmente, atenuada e, portanto, fixada, nos termos do art. 73.º, CP, entre 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão. Dentro desta moldura penal e tendo em consideração as exigências mínimas de prevenção geral, julga-se adequada uma pena de 10 anos de prisão, opostamente aos 19 anos de prisão considerados pelo STJ como cumprindo, "embora porventura pelo limiar mínimo, as exigências da prevenção (...)".